Qual é a diferença entre tropos e clichês?

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    Está cada vez mais difícil escrever histórias originais. Praticamente todas as ideias que você teve, em algum momento, já foram escritas por outra pessoa. Umas das maiores preocupações dos autores iniciantes é justamente essa: como produzir algo original? Ou melhor: como não escrever uma obra clichê sem querer? Talvez o primeiro passo seja entender o que são tropos e qual a diferença deles para os clichês. 




O que é um tropo?

    Tropo é uma palavra de origem grega que designa uma figura de linguagem utilizada para mudar o significado original de uma palavra ou ideia. O termo "tropo" é derivado do grego tropos, que significa algo próximo de "virar, direção, caminho", que também é derivado do verbo trepein, que significa "virar, direcionar, alterar, mudar". Alusões, eufemismos, metáforas e paradoxos são exemplos de tropos literários. Mas eu acho que não é bem isso que você esperava.

    Porque, atualmente, tropo tem outra definição. Tropos também designam dispositivos de enredo bastante comuns em diversos gêneros de escrita. Pode-se dizer que tropos são estruturas recorrentes em um gênero ou tipo de literatura. Por exemplo, um tropo comum no romance romântico é fazer com que duas pessoas que se odeiam passem a se amar. Outros tropos comuns na literatura envolvem o órfão com poderes especiais ou o doido que é um gênio incompreendido. 

    Portanto, podemos dizer que tropos geralmente se referem a personagens, localizações, enredos e até mesmo estilos de escrita que são instantaneamente reconhecíveis. Um dos motivos disso é acontecer é o fato de que determinados tropos possuem uma ligação íntima com determinados gêneros. Assim, tropos bem utilizados permitem ao leitor entender melhor a atmosfera da história — e esperar coisas específicas do gênero em questão. Quando duas pessoas que se odeiam começam a se amar, é de se esperar que elas terminem juntas. Quando o órfão com superpoderes está entre amigos, ele se sente em casa. Quando o cara grande absurdamente forte entra em cena, você espera que alguém vá apanhar muito feio. Mas e se isso não acontecer?

    Pessoas que se odiavam passaram a se amar e terminaram separadas. Um órfão que não gosta de estar com outras pessoas e não se sente acolhido mesmo com seus amigos por perto. Um cara absurdamente forte que não gosta de lutar. Inusitado? Talvez. Mas esse é um dos pontos fortes dos tropos: a capacidade de desarmar leitores.

    Já que os tropos fornecem um sentimento de familiaridade ao leitor, eles também induzem a um certo tipo de linha de raciocínio de acordo com o gênero em que estão inseridos. Todo mundo sabe que a patricinha morre primeiro nas histórias de terror, por exemplo. Quando a patricinha aparece na história, o leitor já imagina o destino dela e espera por isso. E é aí que o escritor consciente fisga o leitor: em uma virada de roteiro criada a partir da expectativa de algo propositalmente familiar.

    Então, quais seriam as diferenças entre os tropos e os clichês?



Tropos são arquetípicos  — clichês são só repetitivos

    Se você leu nossa postagem sobre a diferença entre arquétipos e estereótipos, deve ter percebido que os tropos compartilham algumas características com os arquétipos de Jung. Por exemplo, o tropo d'O Escolhido é também um arquétipo que designa pessoas aparentemente comuns destinadas à grandeza. Rei Arthur, Harry Potter, Senhor dos Anéis, Star Wars e muitas outras obras possuem personagens com esses arquétipos — ou melhor: utilizam esses tropos. Por mais que cada um dos autores tenha tentado contar uma história verdadeiramente original, utilizar o tropo d'O Escolhido permite ao público instantaneamente se familiarizar ao personagem. 

    Porém, como dissemos anteriormente, tropos aceitam brincadeiras narrativas. Apesar de Anakin Skywalker ser um exemplo de uso do tropo d'O Escolhido, ninguém nunca disse que ele era o escolhido para fazer algo bom. Uma subversão clássica dos tropos.


Tropos são necessários clichês nem tanto

    Dizer que tropos são necessários parece meio forte, mas geralmente é verdade, uma vez que os tropos são a base dos gêneros narrativos. Se você está escrevendo uma história de fantasia, é totalmente possível que você se utilize do mundo medieval europeu, da homogeneização de espécies (todos os orcs são maus; todos os elfos são narcisistas) ou do jovem com vida simples que descobre ser descendente de alguém muito importante. Mistérios têm detetives estranhos e casas com madeiras que rangem. Faroestes têm xerifes, cavalos leais e caubóis solitários. 

    Utilizar qualquer uma dessas coisas em qualquer um desses gêneros não significa que você está escrevendo algo clichê. Ao se utilizar desses tropos, você está dizendo ao leitor "olha só esse exército de armadura brilhante carregando bandeiras em uma batalha campal: tu tá lendo fantasia medieval, rapaz!". Alguns tropos, como o setting europeu medieval em histórias de alta fantasia, se tornaram parte do próprio gênero. Portanto, usá-los está dentro do esperado. Mas subvertê-los, nem tanto.

    Clichês, por outro lado, não fazem parte de gênero específico nenhum e nem são blocos necessários para se contar uma história. Por exemplo, vamos imaginar que você esteja criando um mentor para sua história e decida que ele fala de um jeito meio estranho, embaralhando a ordem das frases. Inevitavelmente, todos se lembrarão do mestre Yoda. Esse clichê do velho sábio falando estranho ficará com seu público, mais do que qualquer coisa que esse personagem fale ou faça. Afinal, é difícil vender um personagem novo quando os clichês usados só remetem a um personagem antigo.


Tropos criam personagens interessantes — diferente dos clichês

    Quando um clichê se torna popular, todo mundo passa a reconhecê-lo. Logo, quando você cria personagens baseados em clichês, os leitores não veem nada além de um amontoado de coisas que eles já viram antes. Os tropos, por outro lado, têm uma função diferente.

    Você pode usar tropos para criar personagens cativantes e complexos ao mesmo tempo que provoca um senso de familiaridade dos leitores para com os personagens, resultando em maior senso de empatia e envolvimento com a história. Entretanto, aqui vale uma dica: quando estiver pensando em criar personagens baseados em tropos, pense no personagem primeiro. Pense em suas motivações, sua moralidade, sua visão de mundo. Então, você perceberá quais tropos se encaixarão melhor com o que você deseja.

    Vamos pegar o exemplo do tropo do detetive esquisito. Um personagem só parece esquisito quando não compreendemos exatamente como ele funciona, o que produz uma certa dissonância entre o que achamos que ele é e o que ele efetivamente é. Assim, tropos também podem funcionar para indicar partes do enredo ou conflitos de personagem. Nosso detetive esquisito pode nunca ter sido incentivado a ter amigos porque desde sempre foi um gênio. Ou ele pode ter sido sociável demais, mas uma tragédia o fez se tornar recluso. Talvez essa mesma tragédia de sua reclusão tenha sido responsável por ele virar detetive. Ou talvez ele sempre sonhou em ser detetive - para fugir de um mundo cruel, ele se refugiou nos livros de ficção de detetive e se tornou, como uma casca protetora, aquilo que ele tanto gostava de se imaginar.


Afinal de contas, tropos podem se tornar clichês?

    Com toda certeza. Em última instância, tropos são dispositivos narrativos, são coisas que você usa para contar uma história. Tipo um tempero especial. Quando esse tempero é usado em tudo por muito tempo, ele se torna repetitivo e previsível, afastando as pessoas da comida temperada. Quando um tropo é usado por muito tempo, ele eventualmente se torna um clichê que todos reconhecem. Pense nos filmes de super-herói e novels do tipo Solo Leveling de hoje em dia. Existem tantos deles que fica difícil para os leitores e espectadores acreditarem que há algo original e inovador nesse tipo de produção.

    Talvez essa seja a grande diferença entre tropos e clichês, na verdade. Enquanto tropos dão espaço para desenvolvimentos originais e inovadores, os clichês apenas fornecem uma resposta pronta, mas nada empolgante.


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