Caçadores de Reprovações - Maio

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     Olá, feronas! Chegou a hora do quadro mais aguardado, ansiado, esperado e conjecturado do MLN: é hora de pescar uma das novels recebidas na nossa Central de Avaliações e aprender com os erros dela. Neste mês, conversaremos sobre a importância de criar descrições que colaborem com o fluxo da narrativa. Sem mais delongas, é hora da Caçada!



No começo, havia informações demais




    Em primeiro lugar, percebemos um problema recorrente no texto: a troca de tempo verbal. Perceba como o autor muda do passado ("ficou parado") para o presente ("e nem repara"). Algumas vezes, esse erro passa despercebido pelos autores porque eles ficam presos demais à história que está acontecendo dentro de suas cabeças. Para o autor, a narrativa nada mais é que um filme perfeito, carregado de closes e planos-sequência incríveis. E, assim como em um filme, apesar de as coisas já terem acontecido cronologicamente, é no presente de quem assiste que elas se desenrolam.

    Agora você já deve ter começado a perceber o problema. Mas vamos avançar no texto até o primeiro trecho marcado de roxo:

cinzas que se desprendem dos pedaços carbonizados do cadáver [,] voando pelo horizonte abafado da pior noite de sua vida.


    Sem a vírgula ali, poderia dar a entender que o cadáver estava voando pelo horizonte. Uma cena cômica, no mínimo. Mas vamos imaginar que, na verdade, são as cinzas do cadáver que estão voando. O principal problema desse trecho, que se repete durante todo o capítulo, é simples: ele tem informações demais em um espaço muito pequeno. Pensa comigo: o autor já havia estabelecido que o corpo estava queimado. Portanto, não há necessidade de dizer que os pedaços eram carbonizados. Segundo: não é necessário dizer que as cinzas estão se desprendendo do corpo se, logo em seguida, você vai dizer que elas estão voando pelo horizonte. Terceiro: voar não é exatamente a melhor escolha de palavras aqui — espalhar, pairar e outros sinônimos se encaixariam melhor em um cenário em que não há tempestade de vento. Por fim: o que é um horizonte abafado? Esse adjetivo poderia ser facilmente removido daqui, assim como boa parte das caracterizações dessa frase. O autor está querendo enfeitar demais uma cena que não precisava disso. Essa cena precisa de outra coisa: contexto.

    Cenas que não fornecem contexto o suficiente costumam produzir descrições recheadas de informações. Imagine que um autor de fantasia inicia sua narrativa com um duelo de espadas. Sem descrever o cenário, os personagens e as armas utilizadas, o autor acaba produzindo descrições como: "A espada longa mágica dourada com rubis cravejados no punho de Aeon, afiada como sempre, cortou a cota de malha surrada e manchada de sangue com o símbolo do Deus-Sol de seu oponente". É a mesma coisa que acontece aqui. Como o autor não se preocupou em contextualizar a cena antes de avançar para as descrições de ações, as descrições ficaram recheadas de informações

    O autor fala de brasas incandescentes, de um sujeito (que sabíamos estar carbonizado) com partes queimadas e de "estar petrificado com os olhos fixos". O que tudo isso tem em comum? Exatamente, esses trechos carregam redundâncias. Brasas são incandescentes, já sabíamos que o corpo estava queimado. Além disso, se o autor houvesse optado por dizer apenas que o protagonista estava com o olhar fixo OU estava petrificado olhando para o corpo, o trecho não ficaria tão redundante. "Ao se deparar com o tema das questões" é mais uma das frases que poderiam ser simplificadas para facilitar o entendimento e acelerar o ritmo da narrativa ("Ao se deparar com essas questões", como sugestão).

    Por fim, vamos falar do último trecho em roxo.

A região de floresta estava parcialmente destruída, [.] poderosas labaredas se erguiam num contorno oval quase perfeito destruindo boa parte da vegetação verde que resistia como podia lutando vorazmente em uma batalha que causava muita fumaça, a densa fumaça  insistente de quando tentamos pôr [atear] fogo em vegetação verde. Sim, o local estava sendo iluminado pelas luzes laranja e vermelha das chamas que se afastavam deixando um rastro de cinzas (...)

 

Esse trecho é um pouco mais complicado. Além de ele trazer informações aglutinadas, o trecho é muito mal pontuado. Não temos vírgulas e pontos finais o suficiente para trazer ritmo e demarcar qual informação diz respeito a quê. Eu vou dar uma repaginada no trecho para continuarmos a análise.


A região de floresta estava parcialmente destruída. O local estava sendo iluminado pelas luzes laranja e vermelha das chamas que se afastavam, deixando um rastro de cinzas. As poderosas labaredas se erguiam, destruindo boa parte da vegetação, que resistia como podia em um campo de batalha tomado pela fumaça.


    Perceba o seguinte: a primeira frase dá o panorama geral da cena. No trecho original, o autor ia direto para a descrição das labaredas. Entretanto, ele também trouxe informações de um elemento ainda mais externo que as labaredas: a iluminação. Então, passamos do panorama geral > iluminação da cena > labaredas > vegetação. Dessa maneira, criamos um fluxo de informações que fica mais fácil de ser imaginado, já que quase forma uma cadeia lógica de eventos (você vê uma floresta destruída ao longe, tomada por um brilho alaranjado, percebe que são labaredas de fogo que destroem a vegetação). 

    Além disso, também removemos as redundâncias do período. A vegetação ser verde é algo padrão. Se a vegetação fosse de outra cor, o autor teria descrito antes. A descrição de uma labareda oval poderia ter ficado, mas achei difícil de imaginar uma labareda quase perfeitamente oval consumindo uma floresta por completo. Se isso fosse mais detalhado, talvez valesse a pena. Seguindo, o trecho da destruição da floresta e da batalha da vegetação continha muitas informações aglutinadas (boa parte da vegetação verde que resistia como podia lutando vorazmente em uma batalha que causava muita fumaça, a densa fumaça  insistente de quando tentamos por fogo em vegetação verde). A última parte era descartável, então, tesourada nela. Por fim, a ideia da fumaça era importante, então aproveitei que o autor trouxe a ideia de batalha da vegetação para emendar um campo de batalha esfumaçado. 

    É claro, existem inúmeros de reescrever o trecho e alcançar o mesmo resultado. Você pode tentar, se quiser. É um bom exercício. Porém, espero que tenham compreendido como é importante pensar em quais informações apresentar e em qual ordem, quando estiverem desenvolvendo sua narração. Qual foi, ferona, precisava mesmo falar de cortina de CO2?

    Se ficou alguma dúvida sobre os erros explicados aqui (ou sobre os erros não explicados, como as vírgulas inseridas), pode usar os comentários!

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