O Quebra-Cabeças das Estruturas Narrativas

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“Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, / Depois da Luz se segue a noite escura, / Em tristes sombras morre a formosura, / Em contínuas tristezas a alegria.”

O trecho é do poema “A instabilidade das cousas do mundo”, do Gregório de Matos — também conhecido como Boca do Inferno —, autor brasileiro do movimento barroco. Mas o que isso tem a ver com os quebra-cabeças? O que isso tem a ver com as light novels? Sobre o que esse cara estava falando?

Se deseja saber a resposta dessas perguntas, prepare seu caderninho de anotações que está na hora de refinar seu estilo narrativo e refletir sobre a existência — porque essa postagem deu um trabalho desgramado para existir!

Porém se acaba o Sol, por que nascia?/ Se formosa a Luz é, por que não dura? 




NASCE O SOL E NÃO DURA MAIS QUE UM DIA


O estilo barroco é caracterizado, dentre outras coisas, por sua postura bastante contrastante: ou seja, os caras viviam divididos entre diversos aspectos; tanto religiosos, como éticos e políticos. E é justamente isso que faz com que os autores barrocos — e também nós, os leitores — percebam o quanto a vida é passageira e, sendo assim, é nosso dever aproveitar cada instante de seu desenvolvimento, desde o início até o fim

Sim, é isso mesmo: nossa vida nada mais é do que uma narrativa encenada por nós mesmos. Ainda que estejamos presos ao ciclo natural de nascer, crescer e morrer; somente isso não nos define. Quantas vezes você já fez besteira e quis voltar atrás? Quantas vezes já não leu um texto e percebeu que estava muito ruim? Não aconteceram muito mais coisas do que somente “crescer”? 

Todos seguimos esse ciclo, mas de formas diferentes. E se a vida mantém a mesma estrutura da narrativa — introdução, desenvolvimento e conclusão — e ela é composta de bem mais coisas do que somente essas três palavras, quer dizer que o mesmo acontece com a sua história: ela tem uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão, mas ninguém disse que você precisa contá-la sempre da mesma forma

Essas maneiras de contar a história, ainda dentro do ciclo de começar, se desenvolver e terminar, são chamadas de Estruturas Narrativas. Então, vamos a elas?


O QUEBRA-CABEÇAS BÁSICO DOS TRÊS E CINCO ATOS


Você já deve ter ouvido falar nela quando assiste aquelas reviews de cinema em que os críticos comentam que “o terceiro ato foi fraco” ou “o segundo ato foi muito arrastado”. 
O criador dessa estrutura foi ninguém mais e ninguém menos que Aristóteles, no seu livro Poética, originalmente divido em três, e refinado pelo dramaturgo alemão Gustav Feytag, acrescentando mais dois atos. Melhor ouvir os caras, eles têm moral.

1. INTRODUÇÃO / EXPOSIÇÃO: Uma situação tranquila na qual os personagens são apresentados e o mundo é estabelecido. Aqui, você precisa mostrar todas as temáticas que ressoarão pela história (existência de poderes especiais/ teorias científicas/ mitologia própria). O conflito principal — o que vai mover a carruagem — também deve ser introduzido agora: a busca por poder, como em Estrela Morta, o preço do conhecimento, como em A Borboleta na Tormenta; ou a rebeldia contra um sistema, à la 1984. No clímax do Primeiro Ato o personagem principal deve passar por uma grave situação de risco, na qual terá de provar seu valor perante aos companheiros e ao leitor.

2. AÇÃO CRESCENTE: O conflito introduzido no Ato I começa a ficar mais complicado enquanto os conflitos paralelos e secundários começam a aparecer para auxiliar ou atrapalhar nosso personagem principal, como obstáculos que envolvem a sociedade (perder ou ganhar aliados), a geografia (força física ou objetos de valor) e até mesmo a psicologia (perder crenças). É um momento de verdadeira crise em que o pior conflito é revelado e a vitória sobre os desafios é conquistada a muito custo. 

3. CLÍMAX: O ponto de virada da história quando há uma mudança notável na jornada do protagonista para alcançar seu objetivo. A virada começa no terceiro ato, acelerando os eventos para testar o personagem principal antes do fim da história. É o momento de maior ação: o início da queda ou da ascensão. O que acontecer em seguida mudará a vida dos personagens para sempre —  e isso irá convencer o leitor de que a missão dos personagens é realmente importante.

4. AÇÃO DECRESCENTE: Aqui, o conflito entre o protagonista e o antagonista — que não precisa ser necessariamente uma pessoa — finalmente acontece e determina um vencedor e um perdedor. O personagem principal pode experimentar um Momento de Fraqueza ou Força que devem colocar em dúvida a verdadeira resolução da história. Se ele está Fraco, normalmente é recompensado com a vitória; se está Forte, acaba recebendo a derrota. É essencial detalhar as conquistas e as baixas dos seus personagens, ressaltando a primeira parte.

5. RESOLUÇÃO: Então, tudo acaba aqui. Todos os conflitos são resolvidos, os personagens voltam para vida normal e revisam suas metas de vida, podendo até mesmo surgir com um novo conflito nesse momento de calmaria. O leitor se depara com momentos de catarse, ou seja, momentos emocionalmente fortes que levam a uma reação e reflexão condizentes.


Um modelo visual do esquema dos cinco atos.

O QUEBRA-CABEÇAS DO PRIMEIRO ATO


Na verdade, essas não são verdadeiras estruturas narrativas, mas, por apresentarem características que acabam modificando a forma como sua história será contada, entram nessa categoria. É interessante notar que elas não alteram o esqueleto da narrativa, mas sim os elementos que a compõe, como o antagonista e o próprio enredo.


I. O MUNDO ESTRANHO: No Primeiro Ato, o personagem principal será lançado em um novo mundo, onde a história se moldará com base nas vivências e finalizará com seu retorno ao nosso mundo. A história de As Crônicas de Nárnia — O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa é um bom exemplo disso: o foco está na descoberta do novo mundo e no conflito envolvendo Edmundo, sendo que todo o grupo tira alguma lição desses acontecimentos no final.

II. A IDEIA: A história é motivada por uma pergunta a ser respondida, como “Quem matou?” ou “O que causou?”, ou ainda questionamentos como “O que aconteceria se todas as pessoas ficassem cegas?”. Em Assassinato no Expresso do Oriente, por exemplo, a contextualização do cenário (o trem) e das personagens acontece no primeiro ato, além da revelação do conflito (o assassinato). O antagonista, no caso, seria a própria dúvida sobre quem foi o assassino.

III. O CRESCIMENTO: Nesse terceiro tópico, o foco está no crescimento ou formação dos personagens. O foco está na mudança interna do personagem. Uma obra interessante de analisar é A Menina Que Roubava Livros, na qual o personagem principal passa por processos de descoberta interior — deixa de ser um alguém para se tornar outro alguém — ao mesmo tempo em que os eventos do mundo exterior, os conflitos da Segunda Guerra Mundial, atuam como antagonistas desse processo, limitando as descobertas. Após um Quarto Ato que coloca em xeque até mesmo sua própria vida, a menina tira uma lição que muda sua vida por completo!

IV. O EVENTO (CÍCLICO OU ACÍCLICO): São histórias motivadas pelo fato de algo estar errado com o mundo, podendo acabar de maneira nova ou não. Por exemplo, em A Revolução dos Bichos, a ditadura dos humanos na fazenda motiva uma rebelião dos animais. Todavia, uma nova ditadura é instaurada. Essa estrutura pode revelar a força da sociedade (caso a ordem mude) ou a controvérsia da humanidade, que busca por mudança e, no fim, acaba da mesma maneira.



MEU DEUS, QUANTA COISA, EU VOU ENLOUQUECER!  
COMO VOU SABER ONDE USAR CADA UMA DESSAS ESTRUTURAS?


Então, você provavelmente não vai saber. Pelo menos, não no começo. É muito comum acontecer da história tomar outros rumos conforme escrevemos e, por isso, você talvez não precise colocar todo o seu enredo nesses moldes predefinidos. Lembre-se que, por mais que saiba a estrutura da casa, não precisa planejar onde ficarão os pratos.

Porém, ao ter uma mínima ideia do que você pretende fazer com sua história, dá para ter uma noção boa sobre os caminhos que ela vai tomar. Por exemplo: histórias de drama comumente focam mais no crescimento dos personagens, logo, o ciclo de crescimento pode ser mais interessante — não é uma regra, só o que normalmente acontece. Já em uma distopia, normalmente segue-se o arco de Evento Cíclico. Sabendo disso, você pode optar tanto pela via tradicional (realizada de um jeito bom) quanto tentar desconstruir esse molde, tentando uma quebra de expectativa

Por fim, questione-se a respeito do que deseja com seu texto e até onde pretende chegar: “o que eu desejo com esse começo?”; “para onde vão esses personagens?”; “o que eu quero alcançar com o meu final?” e o mais importante:

O que essa história tem de diferente das outras?

Antes de inovar, você precisava saber com o que estava rompendo. Agora já sabe. Então, o que me diz de tentar algo novo em meio a essa instabilidade de coisas do mundo?

A penny for your thoughts.


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