Caçadores de Reprovações - Dezembro

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    É final do ano, mas não é o final do quadro mais didaticamente sádico do My Light Novel. Enquanto as reprovações não pararem de chegar, os Caçadores continuarão fazendo seu trabalho. Um trabalho difícil, mas necessário.

    Hoje, conversaremos sobre pronomes, descrição de ambientes e repetição de ideias. Pegue um chocolate quente (ou um refrigerante gelado, se estiver derretendo nesse calor) e se aconchegue: a caçada vai começar!





ALVO DE HOJE




Ortografia

    Primeiro, vamos atacar as questões de ortografia. Um lembrete importante é sobre as famigeradas reticências: sempre que a ideia antes das reticências tiver sido finalizada, a frase que vem depois das reticências começará com letra maiúscula. Veja no nosso exemplo. "Parece que foi ontem/Me lembro de muitas coisas acontecendo naquele fatídico dia". São duas ideias diferentes, por isso, o "Me lembro (...)" deve começar com maiúscula. Caso o exemplo fosse "Parece que foi ontem... que eu morri", a segunda frase seria continuação da primeira e, por isso, começaria com letra minúscula.

    Segundo, vamos falar sobre o tal do "ao qual". Esse pronome relativo pode ser dividido em três partes: a/o/qual. A primeira parte, "a", é uma preposição. O "o" é um artigo definido. E "qual" é um pronome relativo (ele substitui um termo já citado ou liga um termo com outro). Porém, para que esse "a" aparecesse, ele precisaria ser chamado por uma palavra que precisasse dele. Veja no exemplo:

           "Era desse personagem ao qual eu estava me referindo". Quem se refere, se refere a.

        "Algo ao qual ninguém esperava." Nesse caso, quem esperava, esperava algo. Ou esperava por algo. Ou esperava de alguém. Não esperava a algo.

    Em linhas gerais, para evitar confusões com pronomes, use "que". Ele será útil na maioria dos casos. Antes de usar pronomes complicados, tente entender como a frase está construída e como você poderia deixá-la mais fácil. Dizer "Algo que ninguém esperava" não era bem mais simples? Esse autor tem alguns problemas com o uso de "ao", como em "aos olhos de todos" "cobriu todos o qual". Veja se consegue encontrar todos os erros relacionados a isso.

    Terceira e última coisa. Perceba a quantidade de repetições da expressão "pela metade". Ficar repetindo os termos de maneira involuntária, sem pensar na influência deles sobre o restante do parágrafo, não cria nenhum efeito exceto a sensação de que o texto não foi revisado. A repetição voluntária e pensada, por outro lado, serve para criar intensidade e aumentar a carga dramática. Entretanto, nada disso vale se não houver outra coisa: ambientação.

Ambientação


    Ao ler aquele trecho, em algum momento, você sentiu urgência? Veja: todos os personagens estão gritando, correndo, clamando por suas vidas e explodindo de desejo de ver televisão. Mas, fora a presença da metade de uma coisa caindo do céu, nada parece realmente urgente. Isso acontece porque o autor não se preocupou em descrever nada.

    Um ambiente caótico convoca não somente correria e gritaria, mas confusão mental, dúvidas, incertezas, sentimento de quebra de realidade, desespero e muitas outras coisas que variam de acordo com o cenário da história. Nesse trecho, temos apenas apertos de mão mais fortes, um diálogo em caixa-alta e uma narração simples da rua em chamas e pessoas correndo. E, claro, a vontade de assistirem televisão.
    
    Quando estiver escrevendo cenas importantes para sua história, especialmente se ela for a cena de abertura, pare e pense. Como passar o sentimento dessa cena da melhor maneira possível? Como mostrar esses detalhes sem precisar que alguém fale deles? Como inserir esse elemento importante da história e como trabalhar com as consequências dele de maneira crível? 

    Em vez de apenas contar que coisas estavam pegando fogo, alugue duas linhas para descrever as chamas devorando casas e carros (e talvez ocasionando explosões). Pense na expressão no rosto das pessoas e descreva-a. Elas corriam de que jeito? E, o mais importante, o mundo está reagindo de maneira crível aos acontecimentos da história?


Verossimilhança e narração


    De verdade, o mundo está acabando e os personagens estão correndo para ver televisão? Literalmente está tudo pegando fogo, as pessoas estão correndo e gritando... E a única preocupação legítima desse povo é ver o que está acontecendo na televisão? Tudo bem quererem se informar, mas no meio de todo o caos? Isso não é crível. Ou seja, não dá para acreditar que, nas condições apresentadas, isso realmente aconteceria. E sabe o pior?

    Os personagens não reagem a isso. Você pode argumentar que eles saem correndo e que eles querem assistir televisão. Mas dê uma olhada no diálogo do pai do garoto (cujo nome foi apresentado sem mais nem menos no meio da narração porque o autor quis) acerca disso tudo. Esse diálogo não passa sentimento algum. Não passa a sensação de "medo do desconhecido", como sugere a narração. 

    É simplesmente um diálogo sem personalidade que não reflete o que está acontecendo ao redor. O autor tenta consertar isso com uma descrição do tom de voz do pai, mas isso só piora as coisas. É a velha regra: em vez de contar, mostre. Faça o pai gaguejar, trocar palavras, falar pouco. Mostre isso no diálogo. Não conte na narração.


E ficamos por aqui!

Vejo vocês no ano que vem com mais pérolas da nossa avaliação. Deixe seus comentários com dúvidas, questionamentos e tente encontrar outros erros que foram marcados (mas não comentados na postagem). Aliás, aproveite para deixar um agradecimento para toda a Equipe de Avaliação que faz tudo isso ser possível.


Um abraço — e que a Caçada nunca encontre vocês!





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