O problema dos advérbios

2

Você já disse, autoritariamente, que sabia escrever cuidadosamente? Talvez lentamente, mas ainda sim acertadamente. Realmente, parece um pouco estranho falar usando tantos advérbios. Porém, infelizmente, é algo tão corriqueiro que provavelmente nem percebemos isso. Mas fique tranquilo: certamente é consertável, desde que entenda perfeitamente.

Hoje vamos conhecer um pouco sobre os Advérbios e como eles podem matar a sua escrita.


Gengar used A Maldição dos Advérbios!


Então, vamos começar pelo começo. Vale lembrar que não vou me aprofundar muito no assunto. Assim sendo, termine de ler o post e vai caçar uma gramática pra estudar, hein.

 O que são advérbios?

Advérbios são palavras invariáveis que exprimem circunstâncias e modificam o sentido de verbos, adjetivos e dos próprios advérbios. Eles são divididos em: de lugar, tempo, modo, afirmação, negação, dúvida, intensidade, exclusão, inclusão e ordem. Ufa.

Que tal ver uns exemplos pra isso ficar mais claro?

  • Lugar:  “— Riku, ali vende Toddynho?”
  • Tempo: “— O Riku vai pagar uma rodada de Toddynho pra gente depois.”  
  • Modo: “O Vong se sente melhor tomando Toddynho.”
  • Afirmação: “— Sim, é claro que o Riku vai pagar a rodada de Toddynho.”
  • Negação:  O Riku não queria pagar uma rodada de Toddynho.
  • Dúvida: “— Talvez vocês possam me ajudar a pagar, que tal?”
  • Intensidade: “— Tu é muito mão de vaca, hein.”
  • Exclusão: “— hoje, gente. É pedir demais?”
  • Inclusão: “— Certeza que vai vir com esse papo amanhã também.”
  • Ordem: “— Quero meu Toddynho. Depois a gente conversa.”

Perceberam que essas palavras em negrito sempre estão perto de algum verbo, adjetivo, advérbio ou, em alguns casos, um substantivo? No primeiro exemplo, “ali” está restringindo o verbo “vender”. No exemplo de exclusão, o “só” modifica outro advérbio, o “hoje”.
Agora tente formular alguma dessas frases sem os advérbios. Meio complicado, não? Pois então, vamos tentar com um exemplo diferente.


“— Eu não vou pagar, caramba! — gritou Riku, furiosamente.”



Será que é possível escrever isso sem usar um advérbio? Será que eu não estou sendo redundante? Pra isso, façamos um exercício mental. Qual o sentimento que essa frase te passa?

“Eu não vou pagar, caramba!”

Alegria? Tristeza? Medo? Fome? Não, ela te passa raiva, fúria. Isso, você está começando a entender.
Toda a sentença foi construída justamente para que cumprisse seu papel de transmitir um sentimento de raiva, então colocar “furiosamente” no final é como dizer que as coisas sobem pra cima e descem pra baixo. É redundante e você faz isso, pode procurar na sua novel. Mas calma, tem um caso aceitável – e mesmo assim tente evitá-lo.

“É claro que você vai! — ameaçou Tany."

“Bom”, você pode estar se perguntando, “qual o problema com essa frase? Nós vemos isso todo o tempo, em livros famosos, outros nem tão famosos assim, você está certo. Porém, agora é que vem o Jump of the cat: isso pode, aos poucos, tornar seus diálogos extremamente pobres.

Quando você pode utilizar uma só palavra depois da descrição para exprimir uma sensação, fica muito mais difícil articular um diálogo com esse mesmo propósito, entende? É muito mais fácil colocar um assustadoramente, presunçosamente, redundantemente, rapidamente do que escrever uma frase que passe a sensação de ser assustador, presunçoso, redundante e rápido. E isso é um erro gravíssimo, porque o diálogo é uma parte essencial da escrita.

Ultimamente estamos recebendo novels em que os personagens deixam de ter personalidade própria, os diálogos deles são praticamente os mesmos. Eles não expressam o que são, não expressam sentimentos ou sensações, apenas falam de um jeito robótico e plano. Na vida real, todas as pessoas tem um jeito particular de falar, seja com sotaque, gírias ou até falta delas. Pessoas de faixas etárias diferentes falam de jeitos diferentes, como também as de faixa etária parecida podem falar de modo diferente também – tudo depende de onde ela viveu, como cresceu, etc. Repare só como um diálogo simples pode te remeter à origem de uma pessoa.

“— Sei não, mano, essa p**** tá estranha. Os nego vão vir atrás de nóis, tô falando pra tu.”

Não precisei colocar nenhum medrosamente, porque isso está evidente. Não precisei falar que ele conviveu com pessoas do subúrbio, porque isso está evidente também. Esse é o grande ponto, porque é justamente aqui que as coisas ficam mais complicadas. Os advérbios podem complicar a sua vida e a nossa também, porque, como eu falei, vira e remexe aparecem personagens mais genéricos – e até podem não ser tão genéricos, mas os diálogos deixam isso escancarado.

Tomem cuidado com isso. Vocês sabem como seu personagem falou e, se não sabem ainda como passar isso para o papel, vão aprender. Usar esse tipo de recurso é mais fácil, mas retarda o progresso, de certa forma. Se vocês sabem mesmo o que estão fazendo, sabem também escrever um diálogo muito bom e que transmita exatamente o que precisam para aquele momento.

Você pode pensar nos advérbios como sendo a pena do Dumbo e você sendo o próprio elefante – foi mal se o exemplo te ofendeu. Ele precisou da pena para começar a voar, mas a magia não estava nela: estava nele.


Fica aqui meu agradecimento e o trecho do livro Sobre a Escrita, do Stephen King – quem será que pegou o trocadilho? — em que esse post foi baseado. É só clicar para a imagem se expandir. Dúvidas? Questionamentos? Comenta aí, vai, é rapidinho. 


Talvez você goste destas postagens

2 comentários

  1. Nossa, pra ser sincero isso é algo q eu nunca parei pra reparar no meu texto. Queria saber do Riku agora se eu costumo usar isso.

    ResponderExcluir