Vamos trocar figurinhas (de linguagem)?

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Todo mundo já estudou figuras de linguagem enquanto estava na escola, isso é um fato. Entretanto, sempre tem aquela pessoa que vira para a professora de Língua Portuguesa e pergunta:

— Ô Pôfessor, pra que que eu vou usar isso na minha vida?

E é aí que a gente entra. Quer saber como isso pode te ajudar – e muito (sério, você não tem ideia de quanto isso é relevante) — na sua caminhada como escritor? Então continua lendo porque, além de te fazer compreender melhor as expressões e tirar uma nota boa no ENEM, as figuras de linguagem também ajudam você a ser publicado aqui. Ficou curioso? Então, bora lá.



Então, pronto para começar?


Descrições: Seja criativo, pelo amor de Deuzo!

Ultimamente as coisas estão bem complicadas para o ramo descritivista. Andamos recebendo novels com descrições praticamente quinhentistas (vamos ver quem é bom de literatura aqui), com a hora exata da ação, a posição dos astros, a altura do personagem e a espessura dos fios de cabelo. Que tal um exemplo? Esse foi feito pelo Riku, aproveitem.

“ [...] Quando Juliana levantou sua cabeça para olhar para sua frente, ela viu um garoto de dezessete anos de idade, a mesma que a dela, e com 1 metro e 76.3 centímetros de altura, 37 centímetros mais alto do que ela, os seus cabelos eram da cor castanho-médio, ondulados e pareciam sedosos, provavelmente eram bem tratados com shampoo e condicionador de alta qualidade, e estavam repartidos a partir do lado esquerdo de sua cabeça, cobrindo um pouco sua testa com uma franja bagunçada, a pele do garoto era clara, mas tinha duas pintas de cinco milímetros de circunferência, uma um centímetro abaixo dos seus lábios e outra meio centímetro abaixo de seu olho esquerdo, o garoto vestia uma camiseta preta de mangas curtas com o logo de sua banda favorita, Rolling Stones, e uma jaqueta jeans por cima dela que estava um pouco amarrotada, ele também usava calças jeans, onde havia dois buracos na região dos joelhos que provavelmente ele mesmo havia feito, nos seus pés, ele calçava tênis All-Star pretos número 44, os cadarços brancos não estavam amarrados.”

“Quanta informação relevante, hein, Vong. Eu nunca escreveria um negócio assim.”

Será mesmo? Será que sua novel não é uma das Quinhentistas? Será que você realmente sabe descrever bem, pelo menos um pouquinho? Eu já fiz dois posts sobre isso: Descrições e Overwriting.
Mas esse não é o foco de hoje. Percebeu como a descrição é extremamente chata de ler? Pois é, as figuras de linguagem vão te ajudar a descrever as coisas de um jeito muito mais maravilindo. Conseguiu entender a importância delas agora? Então, vamos a elas!



São tantas figuras de linguagem... Estou ficando tonto.


Figuras de Linguagem: Úteis na medida certa!

“Figuras de linguagem são recursos de expressão, utilizados por um escritor, com o objetivo de ampliar o significado de um texto literário ou também para suprir a falta de termos adequados em uma frase. É um recurso que dá uma grande expressividade ao texto literário.” – Racha Cuca.

Metáfora, o Tudo Em Um: uma comparação implícita entre dois termos. Por ser “implícita”, não conta com o termo comparativo. Pode conceder um valor mais imaginário à descrição.

Exemplo: “Eu era uma gota na imensidão do tempo.”

Como pode ser utilizada: Pode ser utilizada em descrições de características físicas, seja de seres animados ou não.

Comparação, o Cada um No Seu Quadrado : É uma metáfora com a presença do termo comparativo, uma vez que há certa dose de semelhança entre os termos comparados. Pode conceder um valor mais real à descrição.

Exemplo: “Eu era como uma gota na imensidão do tempo.”

Como pode ser utilizada: Em descrições de personagens, espaços, objetos e coisas próprias do universo da história, que não existem no mundo real.

Metonímia, a Preguiça Elaborada: Ocorre quando o escritor troca um termo por outro, muitas vezes menor, porém com o mesmo sentido do termo original, desde que haja uma relação de proximidade entre eles.

Exemplo sem a F.L: “Ele presenciava a bela cena do o sol se pondo no horizonte.”
Exemplo com a F.L: “Ele presenciava o belo entardecer.”

Como pode ser utilizada: Em descrições que tenham como objetivo a rapidez, como a de um detalhe em um local, o autor de um livro, uma referência do Capitão.

Nesse calor, dá uma preguiça...


Antítese, a Beleza Física: Se os dois forem opostos, com certeza vão se atrair.

Exemplo 1: “Para ela, um nada. Para ele, um tudo.”
Exemplo 2: “Em tristes sonhos morre a formosura, / Em contínuas tristezas a alegria.” (Gregório de Matos, poeta barroco brasileiro)

Como pode ser utilizada: Por aproximar demais dois termos contrastantes, a antítese pode ser uma boa pedida em descrições com tom mais emocional, concedendo um valor especial ao momento.


Paradoxo, a Loucura Encarnada: É possível que duas ideias contraditórias sejam parte da mesma coisa? Conheça o paradoxo!

Exemplo 1: “Quanto mais estudava, menos sabia.”
Exemplo 2: “A força do Guerreiro era sua maior fraqueza.”

Como pode ser utilizada: O paradoxo é uma figura de linguagem que exige extrema cautela, pois aproxima muito – mais que a antítese – termos contraditórios. Por isso, é recomendável sua utilização somente em casos absurdos, que fujam da normalidade.

Eufemismo, a Erva Medicinal: É utilizada para amenizar expressões com uma carga emocional muito alta, ou seja, expressões muito fortes.

Exemplo sem a F.L: “E daquela maneira ela morria.”
Exemplo com a F.L: “E daquela maneira ela aproveitava seu último fôlego de vida.”

Como pode ser utilizada: É recomendável sua utilização quando o autor não deseja explicitar o acontecido, deixando a cargo do leitor. Isso pode passar uma sensação de angústia ou até mesmo ter um peso maior, dependendo do contexto.



O eufemismo deixa as coisas tão... fofinhas!

Elipse, a Omissão Presente: Consiste na omissão de um termo por outro dentro de uma oração, sendo que ele pode ser facilmente identificado dentro do contexto.

Exemplo sem a F.L: “Ele odiava a ideia de morte, ela abraçava a ideia de morte com todas as forças.”
Exemplo com a F.L: “Ele odiava a ideia de morte, ela abraçava-a com todas as forças.”

Como pode ser utilizada: Pode acelerar a narrativa e evidenciar o contraste de ideias.

Zeugma, a Omissão Pontual: Bastante parecida com a Elipse, a Zeugma omite o termo já mencionado anteriormente.

Exemplo sem a F.L: “Vong gosta de Fantasia e Tany gosta de romances policiais.”
Exemplo com a F.L: “Vong gosta de fantasia; Tany de romances policiais.”

Como pode ser utilizada: Em situações em que há a descrição de dois ou mais elementos ao mesmo tempo.

Hipérbole, a Fofoqueira: Ela sempre aumenta muito os acontecimentos.

Exemplo sem a F.L:  “Estava muito cansado; só gostaria de dormir até o dia seguinte.”
Exemplo com a F.L:  “Parecia que o Sistema Solar estava desabando sobre seu corpo; ele gostaria de dormir até a eternidade.”

Como pode ser utilizada: Assim como o eufemismo, é recomendável utilizar essa figura de linguagem em poucas situações. Se quiser passar um tom mais humorístico ou enfatizar um acontecimento não-dramático — por exagerar demais, a Hipérbole acaba por tirar um pouco da seriedade do assunto —, ela pode ser uma boa pedida.

"Eu vou expôr ela."


Sinestesia, a Brisa Forte: A sinestesia faz uma verdadeira salada de frutas com nossos sentidos, misturando-os de forma única! E você viu aquele unicórnio ali...?

Exemplo: “Era um local agradável: a visão amarelada da escola recordava-me do gosto cinzento da adolescência.”

Como pode ser utilizada: Ao misturar sensações, você pode assustar ou impressionar o leitor. Por isso, a sinestesia deve ser utilizada com cautela – como todas as outras, aliás – e não há uma situação exata para que ela funcione. Todavia, ela se encaixa melhor em situações em que existem sensações diferentes permeando o espaço interno ou externo dos personagens, como a recordação agradável, a visão amarelada e o “gosto cinzento”, que seria uma metáfora para uma adolescência chata, do exemplo acima.

Personificação/Prosopopeia, a Brisa Mais Forte: Ela atribui características humanas a coisas que não são humanas.

Exemplo: As estrelas sorriem para nós.

Como pode ser utilizada: É bem-vinda em descrições mais emotivas e, dependendo do seu uso, pode ser uma boa quando falamos em fenômenos naturais.

Gradação, Aquela que Prepara o Terreno: A gradação chega aos poucos e deixa sua marca com a elevação ou redução gradual dos acontecimentos.

Exemplo de Elevação: “Seus olhos fitavam o chão. Seus braços moviam-se lentamente, enquanto seu olhar erguia-se aos poucos. Então, finalmente contemplei seus olhos azuis.”
Exemplo de Redução: “O sorriso do garoto ia de orelha a orelha. Porém, aos poucos foi se desmanchando: as bochechas voltaram à tonalidade escura, os lábios comprimiram-se, o olhar caiu. Ele se ajeitou no banco da praça e, após comer o doce, voltou à sua rotina normal.”

Como pode ser utilizada: É recomendável utilizar em descrições em que haja mudança/alteração em alguma coisa, seja ela física, psicológica ou metafórica.

BÔNUS:
Yay!

Figuras interessantes para diálogos!


Ironia, o Amigo Inconveniente: Ela não é muito recomendado para as descrições, porém, se quiser, pode arriscar – Machado de Assis usava bastante, aliás. A ironia consiste, basicamente, em dizer o contrário do que se pretendia, em tom crítico.
Cuidado, é necessário construir uma boa ironia para que não haja erros de interpretação!

Exemplo 1: “— Foi um garoto tão especial que até o capeta recusou.”
Exemplo 2: “— Você foi reprovado, mas não desista! Quem sabe na outra vida você consegue.”

Como pode ser utilizada: Personagens intelectuais, caçoadores ou chatos pra caramba costumam utilizar bastante a ironia. Entretanto, cuidado para não deixá-lo inconveniente.

Hipérbole, a Fofoqueira nos Diálogos: Argh... De novo?

Exemplo sem a F.L:  “— Então tudo acaba aqui?
Exemplo com a F.L:  “— Então todos os nossos erros, nossas lutas, nossas vitórias, nossas conquistas... Você vai jogar tudo fora?”

Como pode ser utilizada: Com personagens mais animados ou dramáticos ela pode cair muito bem.

Eufemismo, a Erva Medicinal: Você também?!

Exemplo sem a F.L: “ — Seu irmão morreu.”
Exemplo com a F.L: “ — Seu irmão não está mais entre nós.”

Como pode ser utilizada: É recomendável sua utilização quando utilizamos crianças ou pessoas mais ingênuas, como também personagens que tenham relação com esses arquétipos. Isso pode passar uma sensação de angústia ou até mesmo ter um peso maior, dependendo do contexto.

E acabou! Existem muitas outras figuras, mas aqui optei por colocar somente as principais. Se quiser saber mais sobre elas, pega seu livro de Português e vai estudar... Ou só joga no Google mesmo.

Então, curtiram esse post sobre as Figuras de Linguagem? Espero que, a partir de hoje, passemos a receber novels com descrições bem mais criativas!

Sugestões, comentários e ressalvas serão muito bem vindas no espaço de comentários.

Assim sendo, irei pela sombra!

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4 comentários

  1. Sobre a elipse eu normalmente a utilizo, até bastante, porém, mais no sentido de não ter termos repetidos nos meus textos, o que realmente me perturba por demais. E sobre o assunto: em algumas figuras, como o zeugma e a elipse, a explicação de vcs eu vejo mais sintática do que semântica, não que achei errada, porém vocês poderiam deixar claro que são figuras de sintaxe, que são um subgrupo das de linguagem só que dedicado a alteração sintática da frase. Não sei se estou de todo o certo, porém, ao ler eu percebi isso.

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    1. Oi, Webmaster. Obrigado pelo comentário.
      Bem, figuras como a Zeugma e Elipse costumam ter um maior impacto sintático mesmo, por isso creio ser mais interessante explicá-las dessa maneira.
      A função dessa postagem é mostrar aos escritores iniciantes as figuras mais utilizadas e como brincar com elas de uma maneira interessante, não ser uma aula complexa ou algo assim, cheia de categorias e grupos.
      Boa noite o/

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  2. Eu me senti um garotinho em uma loja de doces, contemplando o infito das palavras, quase caindo no abismo dos eufenismos.

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