MLN Recomenda: Gourmet Hound

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    Desde a infância, registramos e interpretamos memórias de acordo com nossa história de vida, formando um grande vitral de momentos e acontecimentos que podem (ou não) ser esquecidos. O cheiro do café sendo passado, o cheiro do pãozinho quente saindo do forno, o gosto da comida da sua mãe: todos esses estímulos podem se unir a emoções e ir para nossa memória, onde podem ser consolidados e depois relembrados com grandes cargas de afeto. Essas são as memórias olfativa e gustativa: um processo mental especialmente desenvolvido em Lucy Fuji.

    Lucy é a protagonista de Gourmet Hound, um webtoon lançado em Dezembro de 2017 por uma estudante havaiana identificada por LeeHama. Uma mulher jovem (e mais forte do que aparenta) com olfato e paladar extraordinários descobre que seu restaurante favorito mudou: e que ela não sabe a identidade do chefe que cozinhou para ela durante toda a sua vida. Entretanto, quando uma porta sai do caminho de Lucy, ela descobrirá que o passado desse restaurante esconde mais do que apenas boas apresentações. Gourmet Hound é nossa recomendação de hoje!



Drama e comédia no formato de rocambole


    Gourmet Hound é uma história centrada em torno de um lugar: Dimanche. Apesar de Lucy ser nossa protagonista, o restaurante é o que une (ou separa) todas as histórias que atravessam a vida da nossa garota. Como um rocambole - a analogia com comida é proposital, a narrativa toda é contada usando comida! -, os dramas pessoais dos personagens parecem unidos por um núcleo: o restaurante que já não existe mais. E é Lucy quem, pouco a pouco, tentará desenrolar isso tudo.

    Entretanto, os personagens não passam por isso sem sofrer. O que parecia ser uma tarefa fácil e sem empecilhos óbvios se mostra uma jornada de autodescobrimento movida pelo sofrimento pessoal de Lucy e daqueles que a cercam. Gourmet Hound (e sua autora, LeeHama), nunca se esquecem do que já foi feito ou dito: uma palavra pode construir uma relação, do mesmo jeito que uma interpretação diferente pode destrui-la completamente. Todos os personagens carregam alguma cicatriz - mas nem todos eles estão dispostos a revelá-la.

    Entretanto, isso não quer dizer que Gourmet Hound vai te fazer chorar sem parar ao pensar em como o mundo é cruel. Nada disso. Na verdade, é exatamente o oposto: é justamente por seu mundo ser tão real que podemos rir do que acontece nele. Quebrar algo sem querer, usar piadas internas, desenvolver um romance improvável, queimar uma torrada, ser o idoso dos cachorros, ser a doida dos filmes de mistério ou apenas rir das probabilidades do destino ter unido você e mais alguém na situação mais improvável possível. Nos momentos em que o humor aparece, há uma função para além de te fazer rir: ele une, separa ou reforça uma relação humana. 

    Gourmet Hound é tipo aqueles pratos exóticos que misturam sabores contrastantes. Apesar de seu recheio ser dramático (e muito bom!), sua massa é feita com muito humor - e muito amor também. Aliás,  já que tocamos nesse assunto, eu preciso falar de mais uma coisa.


Representatividade com apresentação impecável


    Gourmet Hound faz algo que poucas histórias conseguem fazer direito: inserir e trabalhar muito bem a sexualidade de seus personagens. A parte mais importante desse aspecto em Gourmet Hound é a naturalidade com a qual a sexualidade é inserida. É algo que faz parte dos personagens, que os motiva e que os une, mas que não precisa ter um arco somente para tal  porque a história não trata disso. 

    A narrativa de GH reconhece suas limitações, inerentes a qualquer narrativa. O foco aqui não são os desafios enfrentados pelos personagens em relação a sua sexualidade, mas os dramas que os envolvem em relação a Dimanche, Lucy e si mesmos. Se esse drama passa por algum aspecto da orientação sexual, identidade de gênero ou sexo biológico de algum personagem, ele será trabalhado e respeitado. Se não, será um detalhe importante para a construção do personagem. E também material para que a gente fique torcendo para que um ou outro casal fique junto. 

    Mas quem sabe não falemos mais disso em uma postagem futura?


    Enquanto trabalha o drama diário de Lucy e seus colegas, Gourmet Hound não esquece que eles são humanos em primeiro lugar. Humanidade e comida são os temas principais dessa história. Chorando ou sorrindo, que todas as suas refeições sejam maravilhosas - mesmo quando elas chegam ao fim. 


Um lembrete: Gourmet Hound é uma webcomic escrita em inglês. Se você não sabe inglês, tome isso como uma ótima oportunidade de aprender.

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