Originalidade: Nada de novo sob o sol dos clássicos

9

Então, você decidiu escrever uma história nova!

Seu personagem principal é um garoto do campo que se vê envolvido em um mundo de magia e dragões. Espera, Eragon já tem isso? E que tal se a gente colocar um vilão bem velho em cima de uma torre? Stephen King e Tolkien já fizeram isso também? 
Tá, chega de ficção. Vamos falar sobre um garoto muito muito triste que joga xadrez ou que toca piano! Se Sangatsu no Lion ou Shigatsu Wa Kimi no Uso não existissem, quem sabe.

Tá, chega! Vamos pegar latas de refrigerante e transformá-las em meninas! 
Olha, tenho más notícias pra você.

A gente poderia passar o dia todo falando sobre enredos que, mesmo assim, dificilmente chegaríamos em algo completamente novo. Se você está curioso sobre a relação entre originalidade e qualidade, além dos motivos de algumas obras serem únicas ou facilmente esquecíveis, pegue sua latinha de refrigerante enquanto ela é somente uma latinha e venha conhecer mais sobre a tal originalidade.




O CONCEITO DE ORIGINALIDADE


Definir o que é ou não original é bem difícil porque costuma variar de pessoa para pessoa. Se você acredita na originalidade, provavelmente imagina uma obra que não tenha influência alguma de qualquer outra coisa anterior a ela. Mas criar algo totalmente dentro desses moldes originais somente seria possível para alguém que não tivesse tido qualquer experiência anterior: o que, convenhamos, é impossível para qualquer ser humano razoavelmente hidratado e bem-alimentado.

Se você começar a pensar nesse conceito como algo ligado à interpretação pessoal de cada um sobre suas vivências, sobre algo que já aconteceu e que está ligado em uma grande teia de eventos, a gente pode conversar melhor sobre escrita criativa. Não se trata de criar algo que nunca foi feito, mas de tentar interpretar algo de um jeito diferente. Você nunca vai escapar das semelhanças, mas isso não significa que você deva ficar só com elas.

A originalidade não está em um gênero específico, em um conjunto de personagens, em uma situação, em um mundo. Ela não está em nenhuma dessas coisas porque ela simplesmente não pode estar. Do contrário, teríamos uma receita de bolo sobre como fazer algo original: o que, se você está curioso e lendo esta postagem, certamente sabe que não existe. O ser original não parte do seu texto para você, mas o contrário. Ser original não é uma função de qualquer elemento da trama, mas uma das qualidades de quem a está escrevendo. 

E como pensar de maneira original, afinal de contas? Bem, aproveite que você é um ser dotado de memória e utilize suas experiências como fonte de informação. Nem todas as pessoas vivenciam ou pensam acontecimentos da mesma forma, então você já está um passo a frente só por ser diferente do King e do Asano. Existem inúmeras formas de pensar sobre a mesma coisa, de trabalhar com o que já existe de jeitos diferentes. Ou seja, não há problema algum em falar do que outros já falaram. Inclusive, essa postagem está sendo baseada nesta, nesta, nesta, nesta aqui e nesta também. Essas e muitas outras pessoas já falaram sobre originalidade, muitas delas com vários livros escritos ou teses de mestrado. O que eu estou tentando fazer é te dizer o que os outros não disseram juntos, também de um jeito diferente.

Essa postagem não é nada original, mas não importa se ela não for: desde que você entenda o que tenho para falar, isso já basta. O que nos leva ao nosso próximo assunto:

OS BONS E OS CLÁSSICOS


Até mesmo as pessoas que marcaram um gênero não são completamente originais. Stephen King é considerado um dos grandes autores do suspense, mas sua história A Torre Negra bebe das fontes de um poema épico shakesperiano (Childe Roland à Torre Negra Chegou) e também da obra O Senhor dos Anéis, de  J. R .R Tolkien. Mas até mesmo Tolkien não era totalmente autoral: suas ideias têm origem na história A Princesa e o Goblin (1872), além de algumas ideias retiradas a mitologia nórdica. Entretanto, me diga uma coisa: 

Qualquer uma dessas obras ficou pior agora que descobriu que elas não são completamente originais?


É inevitável. É fatal. É indefectível

Pode ter certeza de que alguém já escreveu qualquer coisa que a
sua cabeça considerar incrivelmente original. Entretanto, a existência de globins não impediu Tolkien de colocá-los em sua história. Um garoto rejeitado, academias de magia e dragões não impediram J.K Rowling de escrever a saga Harry Potter. Histórias de palhaços malvadões não impediram King de escrever It, a Coisa. Viagem no tempo, waifus e histórias japonesas que se passam em Akihabara também não impediram os estúdios 5pb e Nitroplus de desenvolverem Steins;Gate. 

Claro, ninguém aqui está dizendo que você vai criar o novo clássico das light novels, porque você provavelmente não vai. O ponto principal é que assuntos existem. E, existindo, pessoas podem ter diferentes jeitos de interpretá-los. Ou, melhor ainda, de contar uma história com eles. Shigatsu Wa Kimi no Uso e Sangatsu no Lion têm: meninos muito muito tristes, meninas muito muito alegres, famílias muito muito abusivas, relações muito muito complicadas e um protagonista com um hobbie-profissão considerado muito muito intelectual. Mas nem por isso são obras iguais (ou igualmente boas). 

Então qual é a diferença entre a fantasia do Tolkien e a da Ammy Helléne que foi reprovada por ter um enredo clichê? Primeiro: já falamos sobre isso na postagem de clichês, mas vamos reiterar que não é legal comparar obras com tamanha diferença temporal. Os clichês mudam, se atualizam conforme a época. Talvez uma fantasia com anéis, magia e espadas não estivesse batida naquela época, mas hoje pode estar, dependendo de como ela é apresentada. Segundo: mas isso não te impede de tentar, incorporando elementos dessas e daquelas obras e utilizando-as de um jeito diferente, junto das suas próprias experiências. 

Agora você começou a perceber a diferença entre uma referência e uma cópia. O jeito de fazer e o tempo em que foi feita torna uma obra memorável, esquecível ou um plágio descarado completo que vai ser reprovado no mesmo instante. Originalidade não é sobre o que falar, mas sobre como mostrar.

INFLUÊNCIAS, REFERÊNCIAS E O PLÁGIO


As duas pontas da originalidade são as influências e referências, equilibradas pelo autor. As influências dizem respeito a tudo aquilo que o autor já vivenciou, consciente ou não: animes favoritos, light novels favoritas, diretores de cinema, artistas visuais, compositores, somente no campo das artes. Mas também podem dizer respeito à vida pessoal do autor, como situações vivenciadas e maneiras de ver o mundo. São elos de ligação da obra que está sendo criada com todas as outras vivências de quem a está planejando, escrevendo ou criticando.

Na outra ponta, temos as referências. Essas são mais simples de entender, já que são quase as influências com uma forma dentro da narrativa: maneiras de criar personagens, de descrever cenários, de conduzir a trama, de utilizar as palavras ou de brincar com a pontuação, entre inúmeros outros trejeitos inclusos no fazer literário, inclusive as citações. Tudo o que faz lembrar direta ou indiretamente uma obra já existente pode ser categorizada como referência. Min-D, por exemplo, utiliza diversas referências diretas. Artemísia, por outro lado, pende um pouco mais para as influências da autora. 

É claro que nem sempre você vai fazer isso de propósito. Quando você lê textos de um determinado autor por muito tempo, é normal que comece a pegar algumas manias dele, incorporando isso no seu estilo em construção. Cada uma de suas influências vai gerar algum tipo de referência, você consciente disso ou não.


Outra coisa é você pegar exatamente os mesmos elementos e falar sobre eles do mesmo jeito mudando somente algumas coisas para não dizer que estaria do mesmo jeito que a versão original. Você pegar o plot de Tokyo Ghoul e mudar o nome dos personagens não tira sua obra da categoria de plágio. Você falar sobre um cara super super legal que fica super super forte quando ele fica super super determinado não deixa sua novel menos super super plagiadora. O que você pode usar, como já falamos, é mesclar elementos conhecidos e falar sobre eles de um jeito diferente. Aí, sim, estaremos no caminho certo.

Mas, se já conversamos que tudo o que será escrito, já o foi um dia, quer dizer que todas as obras estão conectadas, umas com as outras, mesmo sem querer? King com Tolkien com Rowling com qualquer escritor juvenil com outros autores que ele lê com outros mais autores ainda. A resposta é: sim, é bem nessa brisa mesmo. 

O jeito de contar uma história a define mais do que seu tema principal. E, quando as influências são positivas e as referências são usadas de maneira sábia, para enriquecer a história, até mesmo o que parecia ser um enredo simples pode se tornar uma história que vale a pena ser acompanhada: Mushishi ilustrou a postagem de hoje e também é a recomendação pessoal desse redator. Mas por que Mushishi é tão narrativamente intrigante? Bem, isso é papo para uma outra ocasião.

Dúvidas, sugestões, comentários e elogios são muito bem-vindos no campo dos comentários! Nós estamos sempre aqui, prontos para te ajudar com o que for necessário nessa jornada em busca de uma publicação. Salut!





Talvez você goste destas postagens

9 comentários

  1. Muito interessante essa publicação. Essa e uma das primeiras coisas que um escritor iniciante deve saber; "faça o mesmo... mas diferente!"
    Parece estranho, mas não é. Roteiros seguem experiências humanas, as quais nos identificamos, por isso gostamos de um certo tema ou plot, e cabe ao bom escritor fazer de um modo que não diga "Fiz o mesmo".
    Um acréscimo, a datação do livro a Princesa e o Goblin está errada; segundo ela o Senhor dos anéis foi lançado duas décadas antes, o que tornaria impossivel a inspiraçâo na mesma. O Tolkien era incrivel, mas não a esse ponto.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pela apreciação, anônimo!
      E a data estava errada mesmo; esse velho está ficando realmente esquecido. Perdão e boa escrita!

      Excluir
    2. Eu tenho uma dúvida, pode parecer meio boba mas...ainda vou fazer, estou escrevendo uma light novel e tenho usado muitos termos japoneses como otaku, devo colocar legendas?

      Excluir
    3. Olá, Ricardo. Você pode utilizar as legendas, sim. Todavia, quando o termo em questão tiver corresponde em português, é sempre preferível utilizar a versão em português.

      Excluir
  2. Tenho que dizer que esse blog abriu um pouco minha mente, e me fez querer pegar firme na idéia de ter minha propria light novel, pois tinha medo e certas dúvidas em relação a originalidade de tal. E posso dizer que você me ajudou muito a entender esse lado, de que nem tudo é 100% criado do 0,mas sim é apenas reformulado de modo que crie outra perspectiva.
    Arigato ^-^)/ E ótimo blog, continue assim !

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Unknown! Ficamos muito felizes e agraciados pelo seu comentário. Obrigado pela colaboração!

      Excluir
  3. Oi, gente!
    Estou escrevendo uma novel que pretendo enviar a vocês assim que sair do forno, mas preciso tirar uma dúvida quanto a sua validabilidade.
    Se trata de um reconto da lenda de Rei Arthur, num "universo paralelo" onde ele era na verdade mulher. Acontece que a estória, além de ser derivado de um amalgamado de clássicos, gira em torno de uma ideia ícone da franquia Fate - O fato de Rei Arthur ter sido mulher.
    A minha novel não é uma fanfic, e a franquia Fate não explora a questão de gênero do(a) Rei Arthur, mas temo do fundo da alma que essa ideia acabe soando como um plágio.
    Gostaria de saber o que vocês diriam quanto a isso, se a novel seria desqualificada, por plágio, por conta de explorar algo ícone da franquia Fate, ou mesmo desqualificada por ser um reconto adaptado de clássicos.
    Desde já agradeço muito pela atenção. Também quero agradecer muito por essa pérola de blog! Ensina, inspira e entretêm. Uma delícia!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Plumsy! Bom questionamento.
      Na verdade, como ressaltei na postagem, não importa muito se você usa o conceito X ou se inspira em clássicos Y, Z. O mais importante é como você usa isso dentro da sua história. Usar o Rei Arthur como sendo uma figura feminina não tem problema, Fate é uma das tantas obras que faz isso. Agora, se você colocar ela com uma sabre invisível, sendo invocada pro nosso mundo para lutar em uma competição com outros servos... Aí é outra história.
      Então, não se preocupe. Não será um elemento deslocado que fará sua história ser reprovada ou rejeitada por ser clichê. Desde que seja originalmente sincero com o que quer passar, não há problema nenhum.
      E, por fim, muito obrigado pelos elogios! A staff se encheu de DETERMINATION!

      Excluir
    2. Entendi!
      Vou continuar seguindo com esse tema então~
      Muito obrigada pelo retorno, tio Vong! Foi encorajador, também me enchi de DETERMINATION xD

      Excluir