Utopia: Viva!

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“Bem-vindos a um mundo onde tudo funciona da maneira que deveria funcionar! Aqui, ninguém é tratado de maneira grosseira. Se você quiser, pode viver eternamente sem brigar com alguém. Na nossa sociedade você é respeitado, e o melhor de tudo: ganha por fazer o que gosta! Aqui não existe esse negócio de mais rico e menos rico, porque todos se ajudam e se completam. Eu vivo em uma sociedade onde nada é um problema e tudo é uma solução.” - Pessoa que mora em uma utopia.

Utopia vem do grego “ou+topos” que significa “lugar que não existe”. Podemos definir o gênero utópico como aquele em que o escritor idealiza um modelo social muito perfeito em sua mente e depois passa o mesmo para o papel. Provavelmente você nunca tenha lido uma utopia – eu mesmo nunca li – mas, com certeza, já ouviu falar sobre ela em algum lugar.

Se prestou atenção nas suas aulas de História, se lembrará de Thomas Morus, um escritor inglês do séc. XV, que idealizou um país perfeito, que funcionava com uma sociedade organizada de forma que as casas e bens seriam coletivos – não mais particulares – e as pessoas passariam todo o seu tempo envolvidas com o conhecimento, com a arte. E a esse país, Morus deu o nome de “utopia”. Daí dizemos que algo é utópico quando está em um patamar muito elevado de dificuldade, tornando-se impossível de ser colocado em prática.

Alguns autores retratam a sociedade utópica como sendo muito bem desenvolvida, cheia de tecnologias revolucionárias. Outros preferem uma visão mais medieval, modificando um pouco o estilo de vida feudal, igualando suas classes sociais – maldito socialismo opressor! – e fazendo a harmonia reinar no lugar. E esse é o ponto principal de uma utopia: a harmonia. Tudo funciona bem, as pessoas se amam, a natureza tá de boa na dela, Deus está vendo tudo sossegado... Um sonho almejado por tantos, mas realizado por poucos.

Na verdade, realizado por ninguém, porque o grande trunfo da utopia é justamente não ser colocada em prática.

"Como assim, Vong? Ela serve pra que, então?"

Meu jovem mancebo, a utopia serve para guiar o seu herói – e até mesmo você - em busca de seu objetivo. Como meu professor de Sociologia disse algumas vezes:

“A utopia é a linha do horizonte. Quanto mais você anda, mais ela se afasta também. Se você caminha um quilômetro, ela se afasta um quilômetro. Pode parecer inútil, mas quando você vê, já caminhou uma vida toda.”

E isso é o que torna esse gênero tão reflexivo. A ideia de algo inalcançável fascina nossas mentes. O seu sonho de ser um escritor famoso, de dormir em uma cama confortável e quentinha, e de ganhar milhões de dinheiro com seus livros, tendo 16 anos, é uma utopia. Mas nem por isso você deixou de correr atrás dele, certo? Pois bem, o caro leitor é o exemplo perfeito do quanto esse gênero é importante, não somente na literatura. 

Nos jogos também temos exemplos de sociedade utópicas, como a pseudo-utopia de BioShock Infinite, a cidade voadora de Columbia. Dizemos que é “pseudo”, pois todos dizem que é, mas na realidade é algo bem diferente.

Aliás, esse exemplo de BSI me atentou a um ponto muito importante, que já estava passando em branco. Algumas utopias também apresentam forte apelo religioso, sendo esse o elo que liga todas as pessoas à harmonia já citada anteriormente, e ajuda a estabilizar a sociedade.

Fala sério, quem não gostaria de morar em uma cidade assim? R: Eu, porque tenho medo de altura.


Agora, vamos à parte mais escritorística do post: Pra que raios isso serve?
E a resposta mais curta é: pra tudo e pra nada.


"Chega de dar nós na minha cabeça, Vong! Eu já refleti sobre mim, sobre meus personagens, sobre o universo, sobre Deus, sobre o Capeta, e até sobre a reflexão eu já refleti! O que mais quer de mim?!"

Ferona não aprendeu a ser paciente ainda, vai levar umas palmadas. Meu caro Fero-kun, traduzindo para a língua dos esquizofrênicos que falam sozinhos pensando que falam com seus personagens, a utopia vai entrar na sua narrativa quando seu personagem pensar sobre tudo o que o cerca, e sobre como tudo isso pode mudar.

Seus dramas pessoais estão muito fortes? Se ele for otimista, ou mesmo se estiver frágil, vai dar aquele sorriso – sim, aquele sorriso – cheio de lágrimas e pensar em ursinhos carinhosos. 

Mais um exemplo: quando seu personagem está saindo para sua jornada do herói (post em breve), ele sempre se imaginará vencedor, sentado num trono de ouro, rodeado de mulheres e de grana, e de mulheres, e de grana, e de mulheres, e de grana.
É uma utopia? É. 
Pode deixar de ser? É claro que sim! 
Serve de motivação para ele seguir em frente em sua jornada Pokémon? Óbvio, micróbio. 
Mas ele pode acabar numa taverna, enchendo a cara de Cerveja Amanteigada, e chorando porque sua vida foi um desastre? Evidentemente que sim.

Essa é graça de utilizar trechos utópicos. Eles podem se concretizar ou não, dando mais apelo sentimental à narrativa. Além disso, trazem muito mais reflexão para sua história. Afinal de contas, nada impede de algo impossível se tornar possível. PLOT TWIST? Não, realidade (Mentira, plot twist também, se quiser saber mais, dá uma olhada no nosso post sobre isso <3 )!

Quantas vezes você já se pegou falando algo como:
— Nossa, essa foi a pior coisa que já escrevi na minha vida. Eu nunca vou fazer algo pior. 

E cinco dias depois, se corrigiu:
— Meu Deus, isso ficou tão horrível que eu tenho vontade de arrancar meus olhos cada vez que olho para essas folhas.

Antes, escrever uma coisa mais feia – eufemismo says hi – era impossível, era uma utopia. Depois tornou-se realidade. 

Uma realidade agradável? Não, com certeza não. 
Então, se não é uma realidade agradável, não se encaixa mais em uma utopia, concorda? Se a utopia é algo perfeito, mas irrealizável, qual seria o contrário disso? 

Bingo: algo imperfeito, mas muito possível de acontecer. 
Em outras palavras: uma distopia.

Mas isso já é papo para o nosso próximo post. Espero que tenham filosofado um pouco e entendido o conceito escondido da utopia, muitas vezes discriminado.

Inté. Aliás, mais uma coisa antes de ir embora...

O que você prefere? Uma Utopia ou uma Distopia? Escolha com sabedoria e, se possível, comente aí seus motivos. 

Agora sim, até mais! E aguardem que o post sobre Distopias chegará na semana que vem!


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4 comentários

  1. Utopia ou distopia.
    O ideal ou a realidade?
    Não acha uma pergunta um tanto cruel demais? Basicamente você pediu para escolher entre a realidade e a fantasia ou suas esperanças; pode parecer exagerado, mas toda nossa ideia não passa de uma utopia, não concorda?
    Totalmente perfeita, uma obra prima! Ao ser posta em prática vemos como ela realmente é.
    Com verrugas pelo rosto, dentes podres, quase careca e, curiosamente, com um olho torto, vidrado, que parece nunca parar de olhar para você.
    Esse olho torto está te acusando de trazer algo tão infame ao mundo.
    O momento em que utopia passa a ser distopia.
    A própria ideia de utopia é uma distopia, pois veja.
    Milhões de pessoas teriam o seu mesmo raciocinar do ideal ou perfeito? Todas elas pensam do seu modo?
    É isso ai, não, nem um pouco!
    Pensando agora nisso, uma utopia é algo profano demais para tentar ser trazida a realidade, com sucesso.
    Pois veja o resultado das falhas dessas utopias...
    ...elas não seriam todas as ditaduras que houve na historia da civilização?

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    1. Você chegou no cerne da questão. Na realidade, as duas são tão próximas que passam a agir como causa e consequência uma da outra. Como eu citei no post, uma utopia é um ideal de perfeição, algo impossível de ser posta em prática, mas que guia o ser-humano em busca dos seus objetivos, dos seus sonhos. Contudo, quando colocamos uma utopia em prática, rapidamente ela se torna uma distopia, pois algo tão perfeito não pode ser real. É impossível ser plenamente feliz, plenamente satisfeito consigo mesmo e com o mundo a sua volta. A Utopia é um modo de pensar, mais do que um ideal civilizatório, entretanto. Ela te traz o anseio pela busca ao desconhecido, aquele sentimento caloroso que te leva a pensar e refletir sobre suas escolhas e seu impacto futuro.
      A Distopia, por sua vez, não pensa muito. Ela faz, mas faz do jeito certo. Não deixa brechas para perguntas, ou questões para serem solucionadas. Uma sociedade distópica, aos olhares dos governantes, é uma utopia real. Afinal, tudo corre bem, todos são manipulados e a felicidade - mesmo que forçada - está presente. Esse tipo de falha é o que conduz ao sucesso; é um ciclo vicioso de tentativas e erros. Não é como tentar produzir um ser-humano, está mais para uma tentativa de tornar os sonhos em realidade. Contudo, como nós concluímos, algo tão perfeito não pode ser palpável, pois o homem não é puro para executar tal obra, de maneira a construir uma base sólida.
      Podemos concluir, então, que a utopia seria uma nuvem de gás, passando por entre seus dedos. Enquanto a distopia seria uma rocha, atirada em você, mas que você pode usar para revidar depois.

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    2. Pois bem, Vong.
      A maior parte de nossas ideias nos parecem perfeitas, logo podendo ser chamada de Utopia.
      Então temos o início (a utopia) e o fim (a distopia), sendo que sempre que tentam por uma utopia em prática ela se contradiz, por ser teoricamente impossível e se torna em uma distopia.
      Vemos muitos casos dessa tão sutil transformação quase que todos os dias. O processo de transfiguração é bem suave, a ponto de sequer percebermos quando ou como nossa ideia utópica se tornou no horrendo trabalho a frente.
      Enquanto amaldiçoamos a nossa pobre musa inspiradora, ficamos completamente perplexos com o resultado, como é que ficou tão diferente do que eu queria?
      Seguindo nesse raciocínio, Vong, você acha que existem meios de observar o processo envolto em sombras pela qual a utopia se transforma em distopia? Ou seja, identificar o elemento entre o começo e o fim, o misterioso meio?
      Haverá alguma maneira de interferir nesse processo e trazer à realidade uma ideia utópica do fundo do ser?
      Embora, muito provavelmente esse pensamento já seja uma utopia...
      Já que é assim, então me diga, quais as chances de uma utopia com o propósito de corrigir uma outra utopia que está nascendo, ou tentando nascer, vir a realidade sem ser difamada pela distopia...
      Pode ser que não tenha dito nada com nada, porém diga-me.
      Os pensamentos que dançam sua mente!

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    3. Mals pela demora, semana de provas, sabe como é. Pois bem, vamos lá.

      Primeiramente, vamos desconstruir a ideia de uma utopia ser colocada em prática. Como você mesmo disse, ela mesma se contradiz. Então, temos que uma utopia é mais do que um modelo social, é também um modelo de pensamento no qual baseamos nossas ações - de modo otimista, que fique bem claro -. Enquanto o processo de observação das coisas erradas, a primeira imagem utópica vem à mente. Logo, temos o estalo de "Ei, isso está errado. Seria muito melhor se fosse assim e assado." E aí temos uma primeira divergência.
      Você não colocará uma utopia em prática, mas os ideais que podem levar a tal. Ou seja, estaríamos envoltos em um processo de eterna mudança, onde as bases da sociedade seriam transformadas lenta e gradualmente, resultando em uma sociedade parcialmente estabilizada - pois, como a própria etimologia da palavra mostra, nunca será colocada em prática de forma plena.
      Ou também pode haver a instauração de um ideal utópico perfeito, que é o que está se referindo. Isso acontece quando temos uma mudança brusca nos anais da sociedade, alterando alguma camada social, mudando sua estrutura, etc. Então, como citou nem todas as pessoas pensam da mesma maneira, começam a aparecer as divergências e daí em diante temos uma "distopia". Creio que a partir do momento em que o segundo caso acontece, já é um indício de um possível futuro distópico.
      Contudo, não somente ele, pois no primeiro caso, os ideais podem ser tão radicais que se tornarão uma prévia do segundo caso, transformando a sociedade em uma distopia também.
      O "meio" dessa transformação ocorre no momento em que decide-se implantar tal modelo social, afinal, ali o pensamento começa a tornar-se realidade e partir para o caminho distópico.
      E, por último, é muito provável a instauração de uma "pseudo-utopia" com o objetivo de tapar os buracos de um modelo social antiquado considerado ultrapassado - é o que Weber chamou de ação social racional referente aos fins -. Finalizando, é impossível uma utopia "vir à realidade" sem ser difamada pela distopia, pois a utopia - novamente em sua origem etimológica - é um lugar que não existe, por ser muito perfeito. Então, quando ele passa a existir, se contradiz e passa a ser uma distopia.
      Espero ter apontado o que desejava. Boa noite. \o

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